Atualmente, diante da livre concorrência e grande oferta de imóveis, os consumidores têm se deparado com abundância nas opções de aquisição, visto que são vendidos tanto em momento prévio à devida construção, quanto conjuntamente ou em momento posterior. Logo, o consumidor pode optar pela opção que lhe seja mais viável e que se adapte melhor às suas expectativas.
Ocorre que, ao passo que a opção de comprar previamente, ou durante, à devida construção de determinado imóvel é escolhida, o consumidor passa a estar sujeito à possibilidade de acabar se frustrando em relação a alguma expectativa criada por informação que lhe fora passada quando da compra do imóvel.
Todo contrato é regido pelo princípio pacta sunt servanda, este que dispõe acerca da obrigatoriedade contratual integral acerca do que fora estabelecido entre as partes, entretanto, através do aumento no número de empreendimentos vendidos ainda em planta, momento em que imprevistos, por mais avançada a tecnologia atual, ainda não são detectados em sua inteireza, maior também é o número de violações ao princípio supramencionado, vez que são vendidas idealizações que, na finalização do empreendimento, não são concretizadas, estas, grande parte das vezes, referentes a áreas comuns de empreendimentos.
Diante, pois, de um caso em que o que fora pactuado acerca de uma área comum não foi construído, o consumidor deve, uma vez lesado, buscar a resolução da questão, de modo que não seja mais prejudicado e em prol do melhor à coletividade. Entretanto, como pode agir diante de inadimplência contratual que diz respeito a área comum e, portanto, a direito coletivo, uma vez instaurado condomínio, pessoa jurídica incumbida a cuidar do bom coletivo?
Perante este questionamento, surgem entendimentos contraditórios acerca da legitimidade de o consumidor, individualmente, requerer reparação de danos referentes a falhas em áreas comuns de determinado empreendimento, posto que há entendimento que percebe que, neste caso, somente o condomínio possuiria legitimidade para requerer indenização e obrigação de fazer e, diferentemente, vertente que corrobora com o entendimento de que qualquer dos consumidores que tiverem seus direitos lesados possui legitimidade para requerer indenização por dano moral, uma vez ter efetuado o contrato na crença de que tudo que fora prometido, em relação às áreas comuns, seria devidamente entregue.
Neste sentido, uma vez que o consumidor é polo hipossuficiente da relação e deve ter seus direitos integralmente tutelados, há entendimento de que este possui legitimidade para reivindicar seus respectivos direitos quando da inadimplência contratual referente a espaços comuns de determinado empreendimento, ainda que haja, neste, condomínio devidamente fundado.
Logo, importante ressaltar o fato de que se no contrato instaurado entre as partes foi estipulado que haveria área comum e a mesma não foi construída, isso infringe direito individual da coletividade, não um direito da coletividade, sendo, portanto, equivocada a representação única e exclusiva via condomínio, visto dizer respeito a direitos individuais do consumidor enquanto contratante e polo hipossuficiente.
Ademais, a partir do momento em que determinada área comum não é devidamente edificada, o condômino possui direito de reclamar, individualmente, sobre esta parte não construída, uma vez que no art. 1335 do Código Civil, este que dispõe sobre os direitos do condômino, é dito expressamente que constitui direito a plena gozação das áreas comuns, fato que não pode acontecer ao passo que estas áreas comuns, nestes casos, sequer existem por conta de negligência da parte contratada.
De acordo com o que prevê o Código Civil, a legitimidade ativa do condômino se configura uma vez que as partes comuns são inseparáveis de sua propriedade exclusiva, senão vejamos:
Art. 1.339. Os direitos de cada condômino às partes comuns são inseparáveis de sua propriedade exclusiva; são também inseparáveis das frações ideais correspondentes as unidades imobiliárias, com as suas partes acessórias.
Ademais, de acordo com entendimento jurisprudencial, inclusive perpetrado pelo Superior Tribunal de Justiça, o supracitado artigo há de incidir, em casos de descumprimento contratual de unidade imobiliária em construção, conforme pode ser depreendido:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 964.573 - MS (2016/0209167-0) RELATOR: MINISTRO MARCO BUZZI AGRAVANTE: TLE1 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA – SPE AGRAVANTE: ADMS DESENVOLVIMENTO IMOBILIÁRIO LTDA ADVOGADOS: JAYME DA SILVA NEVES NETO - MS011484 LUCAS DA SILVA NEVES CONGRO E OUTRO (S) - MS016378A AGRAVADO: ROSANA TIEMI FUZII ADVOGADO: LUCIANA FERREIRA BATISTA E OUTRO (S) - MS016430 DECISÃO Cuida-se de agravo (art. 1042 do CPC/2015) interposto por TLE1 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA e OUTRO, contra decisão que não admitiu recurso especial. O apelo extremo, fundamentado no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, desafia acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, assim ementado (fls. 260/262, e-STJ): APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO CONDENATÓRIA INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES E DANOS MORAIS CONTRATO DE VENDA E COMPRA DE UNIDADE IMOBILIÁRIA EM CONSTRUÇÃO DIVERSOS CONDOMÍNIOS SOB UMA MESMA DENOMINAÇÃO RESIDENCIAL ITÁLIA PROMESSA DE REALIZAÇÃO DE ÁREA DE LAZER ÁREA NÃO CONSTRUÍDA LEGITIMIDADE DE QUALQUER DOS CONDÔMINOS PARA EXIGIR PERDAS E DANOS EM DECORRÊNCIA DA QUEBRA DO CONTRATO IMPOSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO DA ÁREA DE LAZER EM RAZÃO DE TER SIDO FEITA CONSTRUÇÃO DIVERSA NO MESMO LOCAL LEGITIMIDADE ATIVA CONFIGURA PRELIMINAR REJEITADA. O condômino que adquire unidade habitacional em imóvel construído sob o regime de condomínio, tem legitimidade ativa para exigir perdas e danos, aí incluído o dano moral, no caso de a construtora deixar de cumprir a promessa feita quando da propaganda divulgada sobre o condomínio, bem assim como deixar de cumprir o prometido publicamente assumido em ata de constituição do condomínio, consistente na disponibilização de área de lazer completa a todos os moradores. (...) O descumprimento da obrigação expressamente assumida de construir uma área de lazer completa no condomínio onde a autora adquiriu uma unidade imobiliária enseja o dever de indenizar amplamente as perdas e danos sofridas pela adquirente, que somente fez a aquisição confiando no fato de que no imóvel haveria referida área de lazer, valorizando o bem e lhe proporcionando atividades de lazer que induvidosamente são elementos atrativos de um empreendimento desse porte.
Sem referida construção, o bem sofre desvalorização em relação a outras unidades imobiliárias do mesmo conjunto e de idêntico padrão, constituindo-se essa desvalorização nas perdas e danos que devem ser suportadas pela vendedora e construtora. (STJ – AREsp: 964573 MS 2016/0209167-0, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data da publicação: DJ 20/08/2018).
Ainda versando sobre esse tema, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais entende de modo semelhante, conforme pode ser notado adiante:
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADA. MÉRITO. AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - RESTRIÇÃO DO DIREITO DE USO DE VAGA DE GARAGEM POR TERCEIRO QUE HABITA NO IMÓVEL CEDIDO PELO PROPRIETÁRIO. É abusivo o regimento interno de condomínio que restringe o direito de uso de garagem do imóvel por terceiro que está habitando no imóvel porque fere o art. 1.339 do Código Civil, que prevê que os direitos de cada condômino às partes comuns são inseparáveis de sua propriedade exclusiva e são também inseparáveis das frações ideais correspondentes as unidades imobiliárias, com as suas partes acessórias. A responsabilidade civil constitui a obrigação de indenizar os prejuízos causados em razão da violação de direito, cujos pressupostos são: conduta, dano, culpa e nexo causal entre a conduta e o resultado lesivo. Presentes tais pressupostos, é de se aplicar a indenização por danos morais. (TJ-MG - AC: 10000181324344001 MG, Relator: Newton Teixeira Carvalho, Data de Julgamento: 31/01/2019, Data de Publicação: 01/02/2019).
Mister ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça foi criado pela Constituição Federal de 1988 e é responsável por uniformizar a interpretação da Lei Federal em todo o Brasil, logo, o supracitado entendimento jurisprudencial decorre de processo de uniformização da Lei Federal brasileira, o que apenas coaduna com o entendimento de que o consumidor, neste caso, possui total legitimidade para reivindicar seus direitos.
Diante de todo o exposto, importante ressaltar que a proteção do consumidor decorre da efetividade constitucional do Código de Defesa do Consumidor, art. 5º, XXXII, inclusive como cláusula pétrea, pois a valorização do consumidor diante do lucro, vantagem econômica contratual e do mercado imobiliário é entendimento coerente, visto que a dignidade humana deve ser ponderada frente ao valor constitucional da livre iniciativa.
Compreendendo, pois, que a igualdade material é a busca pela igualdade real, fazendo-se necessário o tratamento de forma desigual a pessoas que se encontram em condições desiguais, na medida e proporção de suas desigualdades, há de se aplicar em integralidade, nestas situações, o que está disposto no Código de Defesa do Consumidor, visto que este nada mais é do que instrumento para que se efetive a igualdade material entre as pessoas, de modo a salvaguardar a dignidade humana de cada uma delas.
Logo, compreendido que, em face da propaganda e venda de área comum que em posterior momento não fora construída, há de ensejar devida reparação por danos morais ao consumidor, importante ressaltar a exceção que prevê a legitimidade ativa tão somente ao condomínio. Esta se caracteriza pela possibilidade de determinado consumidor, adquirindo imóvel em planta, este que, após sua construção, apresente falhas referentes a áreas comuns, decida vendê-lo a terceiro, tal como se encontra, sem promessas e propagandas referentes ao que não fora empreendido até então; neste caso não há que se falar em legitimidade do terceiro, comprador do imóvel, em requerer ativamente devida reparação por dano moral, uma vez que comprou o imóvel tal como se encontrava. Ocorre que, entretanto, como se trata de inadimplência contratual na edificação do empreendimento, caberá ao síndico, dotado de legitimidade, assim como prevê o artigo 1348 do Código Civil, representar os interesses comuns e, portanto, buscar devida reparação por danos morais e materiais.
Sendo assim, o condomínio, quando devidamente instaurado, assim como prevê o supramencionado Código, possui legitimidade para buscar reparação por danos morais e materiais decorrentes de inadimplência contratual, entretanto, este não exclui o pleno direito de cada um dos consumidores, que adquiriram o imóvel em planta na crença de que tudo que fora objeto de propaganda seria devidamente edificado, de buscar, também, a reparação por danos morais, vez que seus respectivos direitos individuais foram lesados e, portanto, há direito de reparação conforme dispõe o Código de Defesa do Consumidor.
Ademais, importante ressaltar que quando não houver condomínio devidamente instaurado, os consumidores, que adquiriram o imóvel ainda em planta, em face de inadimplência contratual acerca das áreas comuns, poderão, individualmente, requerer reparação por danos morais e, também, materiais.
Neste mesmo sentido, grandes construtoras, atualmente, têm aderido a nova metodologia para construção de empreendimentos e, em decorrência disto, há de ser reiterada a possibilidade de o consumidor possuir, nestes casos, legitimidade ativa para promover ação para reparação por danos morais e, também, materiais advindos de inadimplemento contratual acerca de construções de áreas comuns de grandes empreendimentos.
Ocorre que, uma vez que existem, hoje, grandes empreendimentos em construção e/ou planejamento, as construtoras passaram a optar pela edificação de clubes, que fazem parte das áreas comuns destes residenciais multifamiliares, de modo que estes espaços de lazer se tornem diferenciais e chamarizes para a intensificação na venda de imóveis. Dado, portanto, o tamanho destes clubes e a independência parcial dos mesmos em relação aos prédios habitacionais, vem sendo estipulado a instauração de mais de um condomínio dentro destes residenciais, a citar, um específico para o clube de lazer e outro (s) para os blocos habitacionais.
Sendo assim, em situação adversa em que o clube não fora construído e, tampouco, seu respectivo condomínio, caberá tão somente ao consumidor, que adquiriu o imóvel na crença de que poderia usufruir do clube, a busca por reparação aos danos morais e materiais advindos da inadimplência contratual, visto que nestes casos não existe nenhuma pessoa jurídica instaurada para resguardar o bem coletivo dos adquirentes.
Conclui-se, portanto, que não há se falar em ilegitimidade ativa do consumidor em buscar a tutela de seus direitos individuais nestes casos, vez que se trata de relação consumerista em que há claro descumprimento contratual e, em decorrência disto, ensejo de reparação, esta que deve proceder de maneira individualizada, visto dizer respeito a direitos pessoais.